As crianças nascem possuindo um pedacinho de sol Cada uma. O problema é que á medida que vão crescendo vem-se confrontadas com um mundo escuro e muitas vezes não tem força suficiente para o agarrar e á medida que vão crescendo perdem-no.
Sempre gostei de óculos de sol. Acho que tem um poder fantástico de mostrar o mundo de outra cor e perspectiva. Um dia encontrei uns óculos com lentes cor.de.arco.iris e muito grandes. Cobriam-me a cara toda mas eu não me importava. Nunca gostei muito de ser Tao transparente. Pus os óculos e vi-a. Sempre esteve lá. Mas estava coberta pelo manto da idade. Ela tinha guardado o sol dentro dela... não o tinha perdido como o resto das meninas mas tinha-se esquecido de onde o tinha posto. A partir desse momento passou a ser a Menina do Sol. Seguia-a a partir do momento em que pus os óculos e vou contar a historia dela.
Tinha os cabelos com um bocadinho de dourado (era o sol a tentar mostrar-se) e o amanhecer do céu e do mar fundidos nos olhos. Quando começou a crescer, começou a prender o dourado porque "estorvava" e os caracóis da infância começaram-se a perder. Os olhos foram perdendo-se atrás dos óculos e das rugas. Eu nunca a tinha visto sem ser nesta figura (e nunca pensei que as rugas fossem marcas de quem viveu) e portanto espantei-me quando os óculos me mostraram uma menina de vestido, joelhos esmurrados, franja a realçar os olhos e os caracóis a caírem-lhe no sorriso.
Um dia a Menina do Sol que não sabia que tinha o sol dentro dela, resolveu partir a procura do sol. Queria pô-lo numa caixinha, nem que fosse um raio só. Claro que os chefes do escritório se riram dela quando disse que queria viajar para procurar o sol. Como eles são patéticos. Esses sim já se devem ter esquecido do que é ter o sol...Bem, não interessa. O que interesse é que ela despediu-se, fez uma mala de recordações (dobrou-as bem dobradinhas porque eram a única prova de que já teve fragmentos de sol. Mas acho que se foram perdendo nas rugas. Se calhar ela não soube tomar bem conta deles.) e apanhou o primeiro comboio. Não sabia bem para onde. O que significava que nunca saberia quando tinha chegado. Não importava muito. Saberia que tinha chegado quando encontrasse o Sol.
Saiu do comboio numa estação com muita gente. Alguém (no meio de tanta gente) saberia onde encontra-lo. Depressa descobriu que no meio de tanta gente não havia ninguém cujo olhar não estivesse pregado ao chão ou ao infinito das responsabilidades. Se não olhavam para cima como haveriam de saber onde estava o sol? Subiu então uma rua muito alta para tentar chegar ao topo. Pensou que tendo aquela gente um pensamento Tao preso á sola dos sapatos, não deveria chegar ao alto de nada. Pensou bem. Lá em cima não havia ninguém a não ser silencio, pausa em comparação com o movimento lá de baixo.
Sentou-se e imediatamente a Menina do Sol começou a chorar. Chorou como se cada lágrima voltasse a entrar na alma e a lavasse. Ao mesmo tempo cada lágrima trazia um pedaço de coração com ela. Chorou por todas as recordações que trazia dobradas na mala... por já não as ter e por lhe doer o peito de as reviver e saber perfeitamente que não as pode nem poderia ter para sempre. Chorou por todas as melodias ouvidas numa determinada altura terem ficado gravadas em mais do que pausas no interior. Chorou por tudo que se sentia a perder a cada instante sem ter força para agarrar. Chorou por saudade, por pensar que nunca teria o sol de volta, por não saber que nunca o tinha perdido, por querer certezas e não haver espaço para elas na malinha do passado.
E então apareceu o Menino da Noite. Tinha os caracóis que ela tinha perdido na infância. Mas não eram caracóis com sol. Eram caracóis com Noite n'eles. Ele era um bocadinho maior que a Menina. Já tinha passado por aquele pico e já tinha chorado a alma fora... Também ele tinha uma mala com recordações. Também ele tinha o sol dentro dele. No entanto o sol dele tinha sido alterado pelas recordações. Tinha chorado demais. Tinha chorado tanto que o sol foi escorrendo pela face conjuntamente com as lágrimas. Depois de destruir um bocadinho de sol, decidiu que queria ficar ainda com algum. Pegou na mala das recordações, queimou umas quantas e guardou as outras debaixo da cama. Decidiu que as recordações deveriam ser boas.
A Menina do Sol viu o sol a transbordar dos olhos do Menino da Noite e nesse momento aprendeu tudo que ele lhe tinha para ensinar. O Menino deu-lhe um bocadinho do seu sol (o que foi muito arriscado, porque já não lhe restava muito) á Menina. Ela encontrou finalmente o que procurava e também ela guardou as recordações debaixo da cama.
Ela não voltou. Não queria arriscar a perder o sol outra vez. Comprometeu-se aí a tentar restituir o Sol perdido do Menino. A verdade é que acabou por se apaixonar pela Noite e não podia ter sido de outra forma. Mais com Menos não dá Menos...Dá Mais (a matemática nem sempre está certa). Aí, nesse fragmento de elucidação congelado, a Menina do Sol apercebeu-se que o seu sol estava dependente de outra pessoa. E teve tanto medo...O seu mal sempre foi pensar demais.
(Hoje a realidade do relato pareceu-me fria demais.)
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